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Cricilma Ferreira: escritora reconta a Amazônia com as vozes não ouvidas

Com quase 30 anos de atuação na cultura amapaense, autora explora riqueza das narrativas amazônicas e a importância de preservar histórias e tradições por meio da arte


As histórias têm inspiração na própria vivência dentro da região norte/Foto: Arquivo pessoal


Com uma carreira multifacetada que abrange a escrita, o teatro, as artes visuais e a produção cultural, Cricilma Ferreira é uma defensora da cultura amapaense. Ela atua como escritora, professora, artista visual, atriz, diretora teatral, contadora de histórias, ilustradora e produtora cultural, com foco especial na formação de crianças e jovens. Fundadora da cooperativa de arte e cultura Imagem e Cia, Cricilma oferece oficinas que promovem a sustentabilidade e a reciclagem, além de outras que desenvolvem as artes cênicas e a produção literária.


A Literatura Amazônica


Para Cricilma, a literatura é uma forma de resgatar as histórias que não estão nos livros. Ela conta que suas inspirações vêm da convivência com sua família, de suas raízes nas ilhas do Marajó e de Ferreira Gomes, no Amapá. Essas histórias, carregadas de sabedoria popular, retratam a relação íntima da população amazônica com a natureza e com os encantos que permeiam sua cultura. Cricilma traz para a literatura as vozes ancestrais, dos mais velhos, dos ribeirinhos, daqueles que, muitas vezes, não são alfabetizados formalmente, mas possuem uma enorme riqueza cultural.


“Eu trago para a escrita as vozes que ainda não foram para o oficial, mas que existem. Recontando a Amazônia, dou voz às histórias que continuam vivas no nosso imaginário, como as lendas que não são oficiais, mas que ainda são contadas nas noites de nossas vilas, nas tardes das nossas localidades. Eu acredito que essa é a minha forma de contribuir: escrever as outras histórias que ainda não foram contadas na escrita, mas que existem e formam a narrativa da nossa Amazônia", diz.



Suas obras mergulham no universo místico das lendas e no cotidiano nortista / Foto: Divulgação


Com um profundo interesse pelas culturas francesa e espanhola, Cricilma se aventura na escrita em francês e espanhol, línguas que fazem parte de sua vivência desde a infância. Ela conviveu com membros de sua família que mantinham contato com a França, especialmente com a Guiana Francesa, o que despertou seu interesse pelo idioma e cultura. Em 2007, inscreveu-se no Centro Estadual de Língua e Cultura Francesa Danielle Mitterrand. 


"Escrever nessas línguas não é traduzir, é criar na atmosfera delas. Cada língua traz consigo um universo próprio, uma sensibilidade", explica.


Ela conta que seu envolvimento com esses idiomas começou ainda jovem e se intensificou ao longo dos anos. Seus livros em francês, como "Le Petite Fourmi Danseuse", e em espanhol, "María", refletem as características de cada idioma: o francês, com seu romantismo sutil e trágico, e o espanhol, que ela define como "amazônico".


"O espanhol que escrevo traz um pouco da cultura amazônica, da luta e da solidão, mas também da reverência à morte, algo que é muito presente nos países de língua espanhola. Trata-se de trabalhar também essa cultura que existe na Guiana Francesa, onde ainda temos um pedacinho da Amazônia, e também nos países que nos contornam. A Amazônia é muito mais do que apenas esse espaço brasileiro. Ela ultrapassa isso e se espalha, se enraíza em outras terras e culturas também", afirma.




"Encantos, Contos e Recontos"


O livro que mais a emociona dentre suas criações é o primeiro que publicou, "Encantos, Contos e Recontos". A obra traz uma visão geral de várias histórias do Brasil, incluindo contos nordestinos, região com a qual a autora não possui vínculos parentais, mas que a encanta profundamente. O escrito também é uma celebração da magia e da beleza da região norte.


"A nossa cultura é marcada por encantos, desde os nossos rios e matas encantadas até os seres mitológicos que habitam essas terras, fazendo parte do imaginário do povo amazônico, especialmente dos ribeirinhos. Acredito que é esse encanto pela natureza que desperta tanto respeito entre essas pessoas. Quanto mais alguém se sente conectado à natureza, mais respeita suas tradições e a cultura amazônica. Em muitos lugarejos, por exemplo, antes de entrar em um lago ou em uma mata para colher frutas, as pessoas pedem licença. Para mim, esse gesto não é apenas um misticismo, mas uma expressão de respeito profundo pela natureza. Quem dera todos nós tivéssemos esse entendimento", ressalta.


A artista acredita que o misticismo desempenhou um papel fundamental na preservação ambiental da região, e sua obra reflete, mais do que nunca, a urgência de respeitar e proteger o meio ambiente. Para ela, a conexão com a natureza é vital, e o misticismo, muitas vezes julgado de forma superficial, tem uma função de preservação. Em suas palavras, isso serve como um alerta sobre a constante agressão contra o meio ambiente.



Com o lançamento de seu 3º livro de contos, previsto para 2025, Cricilma se mostra otimista quanto ao futuro da literatura amazônica e brasileira. Ela acredita que o resgate e a valorização da literatura regional são fundamentais para a construção de uma identidade cultural mais inclusiva. 

O trabalho desenvolvido por Cricilma Ferreira tem dado voz e espaço às histórias que ainda não foram contadas, fortalecendo as narrativas de uma região que, ao longo dos anos, foi silenciada e esquecida.





 
 
 

1 comentario


Mary Lima
Mary Lima
05 feb

Simplesmente uma artista co.eta e tive a honra de conhecê-la pessoalmente! Um ser humano incrível!

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